nandofanclub

Dissertações, opiniões, escárnio e mal-dizer, canções de amigo, pensamentos ociosos, odiosos, preguiçosos, o óbvio, o subliminar, a bela e o monstro, eu, tu, ele, aquele, aqueloutro, o que só acontece aos outros, o que só me acontece a mim. Tenho dito.

5.1.06

Lá fora continua a chover



Lá fora continua a chover. Uma chuva miudinha, que molha sem levantar muitas suspeitas. Nunca gostei de dias com precipitação, nem de cafés apinhados – por isso escolhi este, recatado e pouco frequentado, terapia ideal para a minha fobia de multidões. Luzes frias, cores quentes, Norah Jones sussurrando frustrações de infância, decoração igual a tantas outras, patrocínio nas chávenas, cigarro aceso como companhia matutina.
Ainda nem acredito que é dia não útil, dez da manhã, e eu já estou fora da cama. O mesmo pensará o empregado que me serviu; deve ter usufruído de uma noite produtiva, pelo menos a julgar pelas olheiras, embora mantenha um cordial (e sonolento) trato. Trouxe-me um cimbalino proveniente de um lote bastante torrado, talvez queniano ou timorense. Ou se calhar é brasileiro. Pouco importado com isso está o casal sexagenário do meu flanco direito, a duas mesas de distância, envergando indumentárias domingueiras, apesar de ser sábado. Ele lê o politicamente correcto “Jornal de Notícias”, ela entretém-se com um livro cujo título não consigo descortinar, mas que me parece ser um daqueles romances cor-de-rosa, de paixões proibidas, traição, vingança e amor virginal a rodos.
Sentada no ponto mais distante ao que eu me encontro, está uma senhora de meia-idade com o seu lulu enrolado nos pés, ignorando o ignorável aviso na porta do estabelecimento, que adverte para a proibição da entrada de animais irracionais. Também lê (ela, não o canídeo), tratando-se desta feita de uma qualquer publicação periódica. Pelo brilho nos olhos, deve estar a inteirar-se da nova festa jet-set num bar “in” da costa algarvia.
Quanto a clientes, resume-se a isto. Pelos envidraçados percebe-se que a cidade ainda está meio adormecida, na ressaca de uma habitual noitada de sexta-feira.