Tomás

Tomás acordou com o raiar da manhã. Há anos que tem a mancha de humidade no tecto, como única companheira de alvorada, após o desvanecimento da prole em circunstâncias várias. Ergue da cama o corpo, pesado pelo tempo, e queda-se momentaneamente o seu olhar no retrato a sépia de Margarida.
Ah, Margarida. Não fosse a imagem emoldurada na parede, e já o seu rosto não cabia nas memórias de Tomás. O rosto não, mas o significado dessa mulher na sua existência nunca esmorecera. Margarida ERA a sua existência. Os filhos, apenas uma consequência, uma lei genética. Margarida era lei divina, vetada sem pré-aviso.
Abriu a janela; a maresia assemelhava-se a feromonas do passado, as aves voavam como voava o pensamento de Margarida, as crianças pareciam os frutos que ambos haviam colhido. Olhando para o céu, Tomás suspirou e disse baixinho: “Um dia destes, mato-me”.
1 Comments:
...bolas...até se me arrepiaram os pêlos dos dedos dos pés...(e quem diz que não os tem mente...)
...sempre a surpreender-me, não pela qualidade (essa já é um dado adquirido) mas pelo "conteúdo"...
...bJUs :)
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