nandofanclub

Dissertações, opiniões, escárnio e mal-dizer, canções de amigo, pensamentos ociosos, odiosos, preguiçosos, o óbvio, o subliminar, a bela e o monstro, eu, tu, ele, aquele, aqueloutro, o que só acontece aos outros, o que só me acontece a mim. Tenho dito.

5.7.06

A confissão de João



Amo-te, João!
Eu disse que também a amava, mas era mentira. Uma mentira que, a grosso modo, até se revelava verdade; os homens confundem muito Amor com Luxúria. O que basicamente é a mesma coisa.
Os olhos com que eu fitava Luísa eram luxuriosos. Os olhos com que Luísa me presenteava denunciavam algo diferente, talvez o que chamam de amor. Tal como o olhar do meu cão. Esse sim, amava-me incondicionalmente, desde que continuasse a alimentá-lo. E eu amava aquele rafeiro. Adolfo, anda cá, rebola, faz de morto. Que maravilha…
Mas Luísa eu não amava. Ela havia-se mudado lá para casa a meu pedido, e sem dúvida que agora estava mais limpa e arranjada – a casa, claro. Era uma boa companhia, não chateava muito e tinha um formidável desempenho entre os lençóis.
E foi na alcova, no arrefecimento pós-coito que me confessei, um pouco por culpa dos 3 whisky de malte que tinha no bucho. Ela declarou-me novamente a natureza do seu afecto por mim, e eu não respondi. Mas aqueles olhinhos decepcionados reclamavam uma resposta. E eu dei-a. “Lamento, Luísa, mas não te amo”. Ela soluçou, virou-se e adormeceu.
No dia seguinte recebo uma chamada no escritório. Era ela. Disse apenas isto: “João, a nossa relação morreu, mas essa morte vai ter companhia”. Nem tempo tive de abrir a boca, corri movido a jacto para casa, tentando evitar a tragédia. Oh Luísa, que vais tu fazer…?
Quase arrombei a porta. A casa estava enterrada num silêncio que bradava aos céus. Um papel repousava na mesa, onde a caligrafia de Luísa sobressaía na palavra “Adeus”. Gritei por ela, mas sem resposta. Não a encontrava. Entrei na cozinha, e senti-me estilhaçar como vidro perante o horrendo espectáculo daquele corpo inerte, sem vida. Uma parte de mim também morria ali. Foi a última vez que Adolfo fez de morto, mas já não era a fingir.