nandofanclub

Dissertações, opiniões, escárnio e mal-dizer, canções de amigo, pensamentos ociosos, odiosos, preguiçosos, o óbvio, o subliminar, a bela e o monstro, eu, tu, ele, aquele, aqueloutro, o que só acontece aos outros, o que só me acontece a mim. Tenho dito.

18.1.06

O silêncio é de ouro, quando não é de latão



"O silêncio é de ouro". Há quem diga também que "os olhos são o espelho da alma". Chavões com piada, sem dúvida. Cá vai outro de contornos bíblicos: "no início era o verbo".
Será que os actos suplantam as palavras? Poderão ocupar ocasionalmente o seu lugar. Por vezes, uma expressão irada será mais eficaz e fulminante do que um eloquente monólogo; um piscar de olho será suficiente para definir intenções - neste caso, as palavras que se seguem serão consequência directa da prévia expressão corporal. Por vezes, nem é necessário haver premeditação: um tique nervoso ou uma pertinente dificuldade em fitar os olhos do interlocutor, podem denunciar uma falsidade nas frases proferidas.
Tudo é comunicação. Desde o dedo médio em riste com que um condutor presenteia outro, passando pelo grunhido monossilábico de quem não percebeu a pergunta, pelo sugestivo cruzar de pernas presente na linguagem da sedução, pelo nervoso bater da caneta na mesa quando o exame se transforma num pesadelo inquisitório, acabando num demagógico e sonolento discurso à nação nas vésperas da ida às urnas.
Quer queiramos, quer não, basta estar vivo para comunicar, directa ou indirectamente. Mesmo a intensidade da respiração pode fazer transparecer o nosso estado emocional para o exterior. Assim sendo, e porque “em terra de cegos quem tem olho é rei”, ou então é ciclope, quem atingir o total controlo das suas palavras e acções, tem o mundo na mão.

7.1.06

O que é nacional é (mais ou menos) bom



Venho por este meio declarar que, em minha modéstia opinião, o Design português está bom e recomenda-se. Neste jardim à beira mar plantado, o que por cá se faz em termos de Design contribui tanto ou mais que o Mourinho ou os Madredeus para o prestígio nacional.
Senão vejamos: o logótipo da candidatura portuguesa para a organização do Euro 2004 foi uma pérola. Encomendado à pressa pelo malfadado Carlos Cruz a um qualquer gabinete sem história, veio a revelar-se como uma verdadeira jóia da nossa comunicação – tratava-se de um “clipart”, retirado talvez de um qualquer arquivo do Publisher, mas genialmente invertido pelos autores da façanha, que aplicaram também as nossas orgulhosas cores à obra. Como consequência disso, e ganha a organização da prova, toda a imagem do Euro foi concebida lá fora, num qualquer país de menor capacidade de desenrascanço que nós. E que lindo foi ver o nosso “clipart” desenhado pelos corpos de milhares de pessoas no estádio nacional…
Há tempos idos, chegou-me aos tímpanos outra história de glória do Design português. Num certame de prestígio, iam membros do júri (provavelmente após um jantar bem regado) a passear por entre as obras a concurso. Reparam numa peça linda de morrer, um produto de design em todo o seu esplendor. Atribuem-lhe um merecido primeiro prémio. Mais tarde vem-se a saber que a obra galardoada não estava a concurso, mas fazia parte da mobília. Chorei de comoção.
Mais recentemente noutra louvável iniciativa, desta vez no Centro Português de Design [a nossa Sé Catedral] os prémios foram atribuídos a membros do júri desse mesmo concurso. O C.P.D. teve inclusivé a gentileza de publicar orgulhosamente tais resultados, para que dúvidas não restassem. Já não tenho lágrimas que cheguem para tais emoções.

5.1.06

Lá fora continua a chover



Lá fora continua a chover. Uma chuva miudinha, que molha sem levantar muitas suspeitas. Nunca gostei de dias com precipitação, nem de cafés apinhados – por isso escolhi este, recatado e pouco frequentado, terapia ideal para a minha fobia de multidões. Luzes frias, cores quentes, Norah Jones sussurrando frustrações de infância, decoração igual a tantas outras, patrocínio nas chávenas, cigarro aceso como companhia matutina.
Ainda nem acredito que é dia não útil, dez da manhã, e eu já estou fora da cama. O mesmo pensará o empregado que me serviu; deve ter usufruído de uma noite produtiva, pelo menos a julgar pelas olheiras, embora mantenha um cordial (e sonolento) trato. Trouxe-me um cimbalino proveniente de um lote bastante torrado, talvez queniano ou timorense. Ou se calhar é brasileiro. Pouco importado com isso está o casal sexagenário do meu flanco direito, a duas mesas de distância, envergando indumentárias domingueiras, apesar de ser sábado. Ele lê o politicamente correcto “Jornal de Notícias”, ela entretém-se com um livro cujo título não consigo descortinar, mas que me parece ser um daqueles romances cor-de-rosa, de paixões proibidas, traição, vingança e amor virginal a rodos.
Sentada no ponto mais distante ao que eu me encontro, está uma senhora de meia-idade com o seu lulu enrolado nos pés, ignorando o ignorável aviso na porta do estabelecimento, que adverte para a proibição da entrada de animais irracionais. Também lê (ela, não o canídeo), tratando-se desta feita de uma qualquer publicação periódica. Pelo brilho nos olhos, deve estar a inteirar-se da nova festa jet-set num bar “in” da costa algarvia.
Quanto a clientes, resume-se a isto. Pelos envidraçados percebe-se que a cidade ainda está meio adormecida, na ressaca de uma habitual noitada de sexta-feira.